Sobre os Discursos Negacionistas
Se os tempos actuais me relembram da sabedoria de Baruch Espinoza, também não me permitem esquecer daquelas pessoas que beneficiam que todos respeitemos as directivas da DGS.
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"Não rir, nem lamentar-se, nem odiar mas compreender."
Como manter este nível de inteligência emocional de Espinosa, quando tantas pessoas acreditam (domínio da crença) que o vírus não existe?
É que não aceitar os factos gera um impacto negativo na tomada de decisão, que passa a servir as partes mais primitivas do Eu e, portanto, menos a favor dos outros.
E isto é mais grave quando há um vírus respiratório, em transmissão comunitária.
E eis que ter comportamentos simples, para evitar ser contagiado, foi esperado. A maioria aderiu, não obstante a fadiga que já todos acusamos.
Porém, há um passo ainda maior, o passo mais empático, que pode ajudar a manter estes comportamentos: Há pessoas que estão, neste momento, a passar por situações de saúde que as tornam ou tornaram imunodeprimidas.
Isto significa que a pessoa que está atrás de si, na fila do supermercado, e da qual, se calhar, até nem guarda a devida distância de segurança, pode pertencer a um grupo de maior risco.
Sim. Maior risco.
Porque ninguém está naturalmente imune.
Pertencer a um grupo de maior risco não se vê no rosto: aquela pessoa, com ar angelical e metade da sua idade pode ser/estar imunodeprimida.
E volto a Espinoza: há que compreender e devolver esta compreensão de que, há todo um mundo, para além do nosso círculo.
A maioria de nós, felizmente, nunca se apercebeu do número de pessoas que estão doentes/em tratamentos.
Estas pessoas também tentam fazer a sua vida habitual: levam as crianças à escola, passam pelo supermercado, levantam dinheiro no multibanco.
E é também por respeito a estas pessoas, que nunca sabemos quem são, que sempre adoptei, desde cedo, as medidas da DGS.
E quanto a criticar ferozmente os negacionistas, sem maiores consequências* legais sobre eles, pode somente levantar defesas, potenciar a recusa da realidade, a clivagem e todas aquelas fantasias ancoradas ao desejo emocional de que a pandemia não passe de uma cabala.
É que o neocórtex permite o raciocínio, o sistema límbico serve as emoções, mas é no sistema mais primitivo do cérebro, mais impulsivo e irracional, que estão estas ilusões.
E é por isso que somente tentar desmontar a crença, em 10 minutos de conversa (mesmo sabendo que essa crença assenta num raciocínio mal amanhado, desconexo e com falhas), poderá abaná-la, mas não altera a sensação de perigo, que a activa, particularmente quando o detentor da crença volta a estar consigo mesmo (ou com quem também a partilha).
Sentir-se mais seguro, menos ameaçado, por este estranho novo mundo, pode dar espaço para dessensibilizar aqueles alarmes internos, que activam aquela realidade idiossincrática.
E, mais uma vez, para isso é preciso compreender como o vírus se propaga, como é possível conviver com ele, em comunidade, e como são os processos de ajustamento às mudanças.
É preciso mais informação, mais conhecimento e mais sabedoria.
É preciso mais ciência.
No limite, é preciso compreender, tal como nos ensinou Espinosa.
Compreender o mundo, os factos e estabelecer relações ancoradas na realidade.
Compreender, deste modo que explicitei, é nunca compactuar nem reforçar os discursos negacionistas, fora da realidade e da vida.
Aliás, espero das outras Ordens Profissionais o rigor que a minha aplica.
Não podemos deixar impunes discursos que colocam em perigo a Saúde Pública.
E, mais uma vez, o perigo é maior para grupos de pessoas já conhecidos, mas cujos elementos, por vezes, não se identificam com um mero soslaio.
*Consequências: A Psicologia explica que não há aprendizagem sem consequências. Torna-se fundamental que existam, para efectivar a mudança de comportamento. Retirá-las é reforçá-lo, tornando-se mais provável que o comportamento se repita (e até possa escalar).